En esta sección se reproducen poemas en sus diferentes formatos y soportes. Se trata de un archivo de textos, voces, videos, performances.

Por consultas escribir a cajaderesonanciaweb@gmail.com

 

Carlos AguileraRaydel Araoz / Carlos BattilanaMariano Blatt / Luis Bravo / Luciana CaamañoFabián Casas / Rocío Cerón / Emeterio Cerro / Mauro Cesari / Cuqui / Felipe Cussen / Augusto de CamposMarcelo Díaz / Gilda Di CrostaMarosa Di GiorgioRoberto Echavarren / Estación Pringles Los 90: entrevistasCarlos Essmann / Eva Perón en la hogueraSilvana Franzetti / Daniel García y Gilda Di Crosta / Marília Garcia / Yanko González / Grupo Las O/ Fernanda Laguna / Leónidas Lamborghini / Federico Leguizamón / José Lezama Lima / Milton López / Luis Alberto Marecos / Marilú / Glauco Mattoso / Muestra sonora-Poesía chilena / Tatiana NascimentoNéstor Perlongher / Martín Prieto / Rastrojero: Festival de poesía/ Proyecto HermosuraProyecto Trilse Alejandra Saguí / Susy ShockIsmael Velázquez Juárez José Watanabe / Videopoemas 

Nascimento, Tatiana

cuíer A.P. (ou "Oriki de Shiva")

▼ apocalipse cuíer ▼

versão de cuíer A.P. publicado no livro 07 notas sobre o apocalipse ou poemas para o fim do mundo:

 

cuíer A.P. (ou oriki de Shiva, v. 28 out. 2018):

nós vamos destruir tudo que você ama
e tudo que c chama “amor”
nós vamos destruir

porque c chama “amor à pátria”
o que é racismo
c chama “amor a deus”
o que é fundamentalismo
c chama “amor pela família”
o que é sexismo homofóbico y
c chama transfobia de “amor à natureza”
c chama de “amor pela segurança”
o que é militarismo
y o capitalismo
c chama de “amor pelo trabalho”
o que c chama de “amor à humanidade”
é especismo, y esse seu “amor pela Palavra”
na real é só um caso histórico de má-tradução – que
conveninente, chamar deus de “ele”, mas se
liga: nós somos seu apocalipse
cuíer. y o que c chama de
“amor pela liberdade”,
“pela justiça”, toda

essa sua ideia de “civilização” é
assassinato, é genocídio,
quer matar tudo
que ri, que goza, que dança,

quer matar a gente.

mas a gente vinga

que nem semente daninha:
a gente sobre
vive!

tá vendo? já começou!
sente a pulsação vibrando
o chão: é o beat do nosso coração!

porque a gente, que você amaldiçoa
em nome do seu amor doentio
normativo,
segregador,
a gente que é amante,
a gente é que vive y espalha

amor.

 

********************************

tatiana nascimento em transmutá domina as consoantes, as vogais, os nomes (todos eles: dos alimentos, dos orixás, o próprio...): cria a partir das palavras antigas dispostas às poetas de agora. cria, na repetição dos fonemas e das constelações semânticas presentes no poema, o ânimo - a anima (profundamente macumbeira) - de seu trabalho.

O vídeo e o texto não são a mesma matéria, ainda que sejam irmãs. O vídeo que vemos é a “performance” (a atividade do corpo ao encontro do poema), as consoantes e vogais transmutadas em sons, em sopro, em dimensionalidade. A performance, afeita ao acaso e às circunstâncias, mesmo gravada em vídeo, precisa do recurso “agora” para efetivamente alcançar - conseguir - sua constante efêmera. O texto, poema estacionado no papel, é quieto como o arquivo guardado. Registro eleito da vez (pelo menos naquela edição), podemos nos confortar/confrontar na certeza do objeto-livro.

“transmutá”, presente no seu segundo livro de poesias, lundu (2016), nos parece ser uma boa porta de entrada para o livro e para a poética sonora de tatiana, torrente caudalosa - profícua - de sentido e de poderes. Poderes ancestrais, poderes poéticos, poderes esforçados.1

 

********************************

transmutá – tatiana nascimento

projeto Mais Arte Sempre

 

“transmutá”  (tatiana nascimento, lundu, padê coletivo editorial, 2018, 2ª ed.)

 

transmutá:

 

em nome do cais

do trilho

e do espírito banzo

ele me disse sim

disse sem senão

era a gira da vez

 

em nome do capataz

do grilho

e do espírito claustro

ele temeu que sim

ele disse: não!

palenque, QUILOMBO em vez

 

em nome do maíz

o milho

e seu espírito quântico

ele me disse "sim"

a flor da explosão

curando sua tez

 

em nome do saravá

do brio

e do espírito solto

ele me disse sim

c num ouviu não?

ele disse tao... nuvens…

 

em nome do ai

do íleo

e do espírito sângueo

 

em nome do hepático

do rínio

e do espírito pâncreas

 

ele me fez

 

renome Orí-zoma

bile tática

instinto drapetômano

 

ele me fez

 

o xamânico bicho

ancestral biônico

humano ilícito

 

ele me fez

 

tectônico rito

continente risco

diásporo onírico

 

ele tex

tura

de pele es

cura

quebranto

lura

acalanto

 

era tanto

de areia

de fundo

de mar

de low

cura

 

Ilê disse sim

(pro Axé)

Ikú  não

pro amém

 

NÃO!

 

e Ele dissen-

tão vem

 

Tata

Atotô,

Baba.

 

o curandeiro palhico é o pai:

 

 

em seu canto,

Sapatá

 

dançarino varíoloco o filho:

em seu banho,

Odoyá,

 

doburu seu espírito-milho:

venta o manto

pipocá

 

com um sopro

de Oyá

 

para transmutá

para transmutá 

para trans

 

mu

 

táta

 

tata

 

 

táta

 

tata

 

 

 

Playlist de vídeos com poemas de tatiana nascimento para o canal Mais Arte Sempre

 

Poesias - Tatiana Nascimento

Poemas:

Transmutá - lundu
Pa Ojare - lundu
Claquete – lundu 
Insulina – mil994
Taipa – mil994
Diz/Faço qualquer trabalho, y (m)eu amor de volta todo dia – lundu

 

********************************

meio beat meio banzo na TVE bahia

 

tatiana nascimento | meio beat meio banzo na TVE bahia

tatiana: “o beat é todo por conta do balbino, e o banzo tem a ver com a minha produção musical e poética. eu tenho falado um pouco sobre a diáspora e as formas de resistência ao racismo. isso tem muito a ver com não ter um lugar, com ser um arrastão, um povo todo arrastado de um lugar e largado no outro e como isso movimenta uma saudade ancestral que é a ideia do banzo. e aí o show é para misturar o meu trabalho de compositora e poeta que era mais orgânico, basicamente fazia voz e violão, com o timbre eletrônico e barulhinhos eletrônicos [do balbino].”

 

********************************

Lençóis – Luedji Luna e tatiana nascimento

(composição: Luedji Luna e Cidinha da Silva

poema de tatiana nascimento)

Lençóis

me dá um pedaço do seu amor?, só um pedaço, mesmo. não te quero inteira não, nem te quero toda nem demais só aquele pedaço tosco lascado quebrado fodido moído caído no chão, joelho ralado, doído. o pior pedaço não, nem o mais desimportante (que isso ia ser te pedir o melhor do avesso, mas de melhor num quero nada até pq eu não tenho nada muito bom pra dar) então me dá (se quiser) um pedaço do seu coração um espaço, uma brecha uma fenda um vão um caco, um caco de alguma vez que ele foi quebrado mas que cê nem lembra mais direito como, quando, por quem, mesmo? é esse que eu quero dá pra mim esse caquinho essa lasca, essa ruína meio gasta – mas não velha demais que a gente possa dizer arqueologia, nem nova demais a ponto de não ser quinquilharia – esse caco que você jamais pensaria que alguém quereria pra uma coisa qualquer, ou que valesse um poema sequer, esse retalho eu quero. pra juntar com um qualquer retalho do meu coração remendado embaixo de um dia besta de sol, só colocar um do lado do outro assim, paradinho embaixo do sol do meio-dia, pra deixar inda mais banal o zênite da mediocridade cotidiana do sol no meio do céu embaixo do do dia, y depois sentar pra observar como tudo, tudo mesmo, qq coisa brilha sob o sol, até um caco tosco de vidro coronário meio arranhado (quinem a maioria das lascas meu coração) o dicionário vai chamar essa coisa pouca, boba, pequena, comum, banal simples tola de amor, os satélites, os drones a nasa lá do alto vão ver essa coisa brilhar, fragmentos do que a gente é buscando rejunte y até as retinas que olharem vão quase se manchar desse brilho fosco também mas de tão brilho que vai ser esse sol esses cacos esse encontro a calçada suja onde os cacos deita a plantinha nascendo o craquelado o concreto a rotina o gosto de sal do suor escorrendo pela testa, o dia vai quase deixar de ser igual por um instante, ou quase, y partilhar um segundo fundo assim é quase se dar inteira pra alguém hoje me dia do jeito que as coisas andam tão quebradas.

 

********************************

 

********************************

tatiana nascimento nasceu em 1981, em Brasília (DF) - Brasil. Ela diz: “é palavreira: cantora, compositora, escritora, tradutora. publica livros artesanais de autoras negras y/ou LBTQIs pela padê editorial. aquariana, doutora em estudos da tradução pela UFSC. idealizou y ministra a formação ‘privilégio branco é racismo’. idealizadora y cofundadora do primeiro slam exclusivo para mulheres & lésbicas do brasil, o slam das minas de brasília/DF. idealizadora da semilla – feira de publicadoras. criadora do portal www.literatura.lgbt

 

tatiana nascimento também é a curadora do conjunto de ensaios “Abebe – Caixa Pretas”, publicado pela n-1 edições, reunião de 9 textos escritos por autoras LBTs negras/racializadas, entre elas a própria nascimento, cidinha da silva, linn da quebrada, anne quiangala, pedra homem, bibi abigail campos leal, yuderkys espinosa, jaqueline gomes de jesus: https://www.n-1edicoes.org/caixa-pandemia-pretas

 

Veja, também, a contribuição da poeta para o projeto Sonidos de la Pandemia aqui: https://cajaderesonancia.com/index.php?mod=sonidos-pandemia&view=detalle&id=640

 

livros de poesia publicados

*esboço; padê, 2016.
*lundu;  padê, 2016.
*mil994; padê, 2018.
*07 notas sobre o apocalipse, ou, poemas para o fim do mundo; Garupa e Kza1 edições, 2019.
*Oriki de amor selvagem - todos os poemas de amor preto (ou quase) (padê, 2020).

ensaios publicados

*cuírlombismo literário: poesia negra lgbtqi desorbitando o paradigma da dor (n-1, 2019); 
*leve sua culpa branca pra terapia (padê, 2019; n-1, 2020); 
*um sopro de vida no meio da morte (macondo, 2019);
*racismo visual/sadismo racial: quando (?) nossas mortes importam?  (n-1, 2020).

 traduções publicadas:

*entre nós mesmas, poemas de audre lorde  (bazar do tempo, 2020);
*calamidades, ensaios de renee gladman (a bolha editorial, 2021).

 

Entrada feita por Rayi Kena1
(www.rayikena.wordpress.com)

Criação: jan-out de 2021.